quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A castanha

Era uma castanha que estava como as outras, pendurada de um castanheiro.
Chegando o tempo, as castanhas amadurecem e caem por si. Só que esta não caiu.
- Estou bem onde estou e não quero aventuras - dizia.
Uma a uma, as outras dos ramos iam caindo e rebolando pelo chão, protegidas pelo cobertor ouriçado que as cobria até ao nariz. Nariz é modo de dizer?
Vinham os garotos, estalavam-lhe os ouriços e metiam-nos nos bolsos. A tímida e teimosa castanha desta história a tudo assistia do seu mirante e não gostava.
- A mim não me levam eles - dizia.
Era a única que sobrava em todo o castanheiro. As folhas a fugirem da árvore, sopradas pelo vento, e ela a afincar-se ao ramo, com unhas e dentes. Unhas e dentes é um modo de dizer?
Sozinha, desabrigada, não estava feliz. Nem infeliz. Sentia até uma ponta de orgulho por ter conseguido resistir tanto tempo. Um sabor de vitória que a ouriçou toda.
- Ai que vou cair - gritou.
Mas, no último instante, conseguiu agarrar-se. Ainda não era daquela.
Entardecia. Um grupo de gente acendera uma fogueira, junto ao castanheiro. Os garotos, que tinham andado às castanhas, e os pais dos garotos e os amigos dos garotos riam e cantavam. Estavam a preparar o magusto da noite de São Martinho.
A castanha solitária, no alto do castanheiro nu, estranhou a vizinhança. E intrigou-se. Que estaria a passar-se.
Debruçou-se do ramo mais e mais. A madeira a arder estalava, mesmo por baixo da castanha, a última. O fumo entontecia-a. E se fosse ver de perto o que se passava?
Foi. Caiu. E a história acaba aqui. Paciência. É o destino das castanhas. Destino é um modo de dizer?

Mostra lá

Este blog, fala da reciclagem, onde mostra actividades de alnos do 2º ano do agrupamento vertical de Montemor-o-novohttp://mostrala1c.blogspot.com/



este video depende da metodologia e nao da tecnologia, pois nada muda nesta escola após receberem os computadores.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

o Carloto

O meu amigo Carloto, antes de sair de casa para dar uma voltinha de bicicleta, avisou a mãe:
- Hoje vou cair da bicicleta e esfolar um joelho.
A mãe foi logo buscar a caixa dos primeiros socorros, para estar tudo à mão, quando o Carloto regressasse da queda. Não seria acidente grave. Nem, muito menos, o primeiro.
É que, de facto, o Carloto adivinha as coisas, mas só coisas que o tivessem como protagonista, isto é, como centro da referida coisa, não sei se me estou a fazer entender? Que coisa!
Às vezes, dizia a mãe:
- Hoje, vou chegar todo encharcado a casa.
A mãe ainda acudia:
- Então, leva um chapéu-de-chuva, filho.
Ele explicava:
- Se levo chapéu-de-chuva, já não chove e a chuva também faz falta?
Coisa complicada.
Só adivinha o pior, dentro do relativo, que não era assim tão mau como isso.
- Hoje vou perder o boné, na escola.
- Hoje vou rasgar as calças, numas moitas.
- Hoje vou partir os óculos, no futebol.
Não valia a pena prevenir. Estava previsto e acontecia, i-ne-vi-ta-vel-men-te. O Carloto, conformado com o seu pequeno poder da adivinhação, resignava-se a que seria assim pela vida fora. A mãe dele também encolhia os ombros, sem se inquietar muito, e suspirava:
- O que eu quero é que o meu filho nunca adivinhe grandes desastres.
Mas, desta vez, alarmou-se. Uma vizinha veio dizer-lhe:
- O seu Carloto caiu da bicicleta, bateu com a cabeça no passeio e foi de ambulância para o hospital.
A mãe do Carloto atirou-se para dentro de um táxi com a vizinha e, numa ansiedade, que lhe cortava a respiração, foi ao hospital saber do seu mais-que-tudo na vida.
O médico tranquilizou-a:
- O seu filho, felizmente, não chegou a sofrer traumatismo craniano. Quando ele andar de bicicleta, recomende-lhe que use capacete.
- E não está ferido, senhor doutor?
- Nada de grave. Só esfolou um joelho - respondeu o médico, com um sorriso simpático.
A mãe foi ver o Carloto, deitado numa cama e ainda um tanto abalado. Não se lembrava de nada, nem sequer de que tinha adivinhado o acidente. Ou parte: o joelho esfolado.
Aliás, desde esse dia, fosse do que fosse, talvez da pancada, o Carloto já não conseguia prever nem sequer uma unha partida. Perdera os seus poderes especiais.
Uma coisa destas é que o Carloto nunca podia adivinhar.